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Prática Museológica

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Prática Museológica
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A gnose na prática museológica

Capela - Sala 5“Por este caminho somos levados a pensar que o museu tanto pode ser baluarte da tradição, quanto espaço propício para a ruptura e para a inovação, pelo menos em termos museológicos.
Assim como sem a memória o novo não se estabelece, também sem a tradição a ruptura é despida de sentido. O novo não é um valor colado às coisas, mas um conceito que se movimenta no interior da teia de relações que interliga seres e coisas.” (Chagas M. , 2006, p. 119)

O lugar do Museu não cessa de ser interrogado!
Proponho-me uma reflexão gnoseológica sobre a prática museológica reinventando a importância material do ‘tempo’  e dos ‘paradigmas’ da Humanidade.
Uma reflexão sacrossanta eclética , onde mito, circunstância, religião, lugar-comum, desempenham em conjunto um lugar da arte que se cruza “ com o lugar da instituição que a apresenta, na intersecção dos seus labirintos, na revelação e ocultação dos seus inter-textos, nos percursos possíveis e impossíveis do espectador” (Leal, 2003).

De Zeus  e Mnemosine  herdámos pelas Musas  o que nos dá humanidade: o conhecimento e o poder, a memória e o esquecimento. Do pai se vincula o poder - política -, incutindo ao manifesto museológico a ‘não ingenuidade’ que lhe permite resistir e subsistir; da ligação materna está presente a ‘poesis’ e a memória que lhe conferem a vertente poética e estética. Desta simbiose resulta a complexidade museológica e a sua prática híbrida que guarda o património herdado e faz do Museu espaço de memória, espaço de esquecimento, espaço de resistência, enfim, espaço ‘sagrado’. Porquê?

A museologia deve ser um encontro entre o Museu como espaço aberto e as realidades socioculturais especificas e nunca menosprezando a contemporaneidade e a pluralidade. Então, ao conferir esta especificidade de gnose, não pretendo o que comummente será entendido como uma essência museológica indiferente às mutações, indiferente às metamorfoses e fechada numa metafísica vazia de conteúdo e de comunicação, indiferente à imperiosa interacção público/objecto museológico. Não.


Em definitivo, o Museu, por excelência, é um local sem fronteiras psicossomáticas, de comunicação cultural. Parafraseando o professor Mário Moutinho, “o Museu é como um megafone que alguém utiliza para transmitir uma ideia. Consequentemente, somos levados a adquirir o direito à sua posse” (Moutinho M. , 2008).

Nesta linha de pensamento, o conceito/praxis em museologia está em constante mutação e progresso anulando o pré-conceito – vindo do século XIX – de uma ciência ‘tecno-estanque’. “Basta de uma visão míope” (Chagas M. , Museologia e Poder, 2008) da prática museológica. Temos de repensar o lugar do Museu na sociedade causando a imergente mudança de atitude de acordo com as mudanças sociais, politicas, culturais e económicas. Concluindo, esta linguagem gnoseológica que clamo para a museologia – praxis e mensagem – está intimamente ligada a uma atitude eclética, segunda a minha perspectiva do sacro, como uma forma analítica de abordar os temas, ultrapassando obstáculos que se prendem com o conservadorismo político e filosófico do século XX, dentro da própria ruptura de 1968, ano a que o professor Mário Chagas se refere, “considerado como o mergulho numa viagem ou a partida para uma odisseia ainda não acabada” (Chagas M. &., 2008) que levado à ortodoxia, condena ao esquecimento a égide humana – base, sustentação, auxilio - colocando dificuldades materializadas à inovação do pensamento contemporâneo, remetendo o progresso a um ‘vazio de culto’, comprometendo-o e extorquindo-lhe a permeabilidade justa ou inspiração, e esta sim, pode levar a Humanidade do Inferno ao Purgatório e daí ao Paraíso de Dante Alighieri ; ou a navegar com Vasco da Gama  na ‘Aventura Lusíada’ deleitando-se na ‘Ilha dos Amores’ , “Tomando aquele prémio e doce glória / Do trabalho que faz clara a memória” (Camões, 1572/2007, p. 807); ou à loucura errante de Orlando Furioso  que nos transporta a uma viagem mística e natural – Europa, África – num século VIII, no qual Carlos Magno  dá início à restauração do antigo Império Romano do Ocidente, “Astolfo visita o Inferno por um capricho de momento, e depois o Paraíso. Aqui encontra São João Evangelista , que o trata de igual para igual e que o acompanha até à Lua.

 (…) Entre uma imensa parafernália de coisas perdidas pelos homens ao longo dos séculos, Astolfo encontra a ampola que contém o siso do paladino; e, de passagem, cai-lhe sob o olhar uma ampola com o seu nome, que contém uma parte do seu juízo que ele nunca se apercebera de ter perdido, mas que se apressa a inspirar.” (Ariosto, 1532/2007, p. 22)

Tal como nestas epopeias, também os museus podem narrar e mesmo realizar estas viagens fantásticas, introduzindo novas teorias e práticas na museologia do século XXI e adoptando novos objectos museais ou reinventando-os. “Esse misto de luzes e de sombras, / Do céu, da terra, de quanto há formoso / E horrendo e grande, cujas musas foram / Ódio, vingança, amor, ciência, glória?” (Coelho, José Ramos, 1910).

Esta reflexão objectiva a atracção de novos públicos, alargando os objectivos museais no âmbito do receptor da mensagem do Museu, mantendo o museólogo aberto a múltiplos conceitos que ampliem e potenciem os serviços culturais, sociais e pedagógicos dos museus, granjeando, assim, a sociabilidade que deve estar patente em tudo o que se encontra inserido na comunidade e inclusive ultrapassar os problemas económicos.

                                                                                                                                                                       Vieira Duque

[1] Entendido como acção de conhecer, ciência, combinando mística, sincretismo religioso e especulação filosófica. Como sinónimo de sapiência. 
[2] Período contínuo e indefinido no qual os eventos se sucedem, criando a ideia de passado, presente e futuro.
  Plural e multifacetada.
[3] Zeus (em grego: Ζεύς), na mitologia grega, é o rei dos deuses, soberano do Monte Olimpo e deus do céu e do trovão. Os seus símbolos são o relâmpago, a águia, o touro e o carvalho.
[4]  Mnemosine era uma das Titânides, filhas de Urano e Gaia e a deusa da Memória. Ela teve de Zeus as Noves Musas. Era aquela que preserva do esquecimento.
 Após a vitória dos deuses do Olimpo sobre os seis filhos de Úrano, conhecidos como titãs, foi solicitado a Zeus que criasse divindades capazes de cantar a vitória e perpetuar a glória;

[5] Zeus partilhou o leito com Mnemósine, a deusa da memória, durante nove noites consecutivas e, um ano depois, Mnemósine deu à luz nove filhas, as musas, que cantavam o presente, o passado e o futuro, acompanhados pela lira de Apolo. Do seu nome deriva o termo museu, lugar inicialmente destinado ao estudo das ciências, letras e artes, actividades que protegem.
[6]  A Divina Comédia, expondo a ordem ética e histórico - politica do mundo, fazendo aparecer as esferas imaginárias do real: passado e presente. Em suma: desenvolvimento e salvação do indivíduo. 
[7] A acção central do poema épico Os Lusíadas é a viagem marítima à Índia de Vasco da Gama.
[8] Para Camões, Vénus é a deusa protectora de Vasco da Gama e Baco o adversário temido, mas a «lusa gente» chega à Índia, dá «novos mundos ao mundo», e o Poeta narra este empreendimento insigne alternando a fogosidade do entusiasmo e da crença com o desengano do reconhecimento da mesquinhez humana, «mísera sorte, estranha condição». Assim, o poeta dirige os nautas para a Ilha dos Amores, onde, por acção de Vénus e Cupido, receberão o prémio do seu esforço, uma ilha paradisíaca, de uma beleza deslumbrante, num consórcio repassado de sensualidade entre os portugueses e as ninfas.
[9] Valoroso cavaleiro, após magníficos feitos, enlouqueceu devido à repulsa do seu amor, a casta e bela Angelica, que preferiu os braços dum jovem cavaleiro sarraceno.
[10] Carlos Magno e os seus paladinos cristãos preparam os exércitos para travar os avanços do rei sarraceno.
[11] Um dos 12 e o mais jovem dos apóstolos de Cristo, autor do quarto evangelho e do Livro do Apocalipse ou Revelação, e o discípulo que Jesus amava.